"Ai que preguiça..."

[...] Mas cair-nos-iam as faces, si ocultáramos no silêncio, uma curiosidade original deste povo. Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra. [...] Mas si de tal desprezível língua se utilizam na conversação os naturais desta terra, logo que tomam da pena, se despojam de tanta asperidade, e surge o Homem Latino, de Lineu, exprimindo-se numa outra linguagem, mui próxima da vergiliana, no dizer dum panegirista, meigo idioma, que, com imperecível galhardia, se intitula: língua de Camões! [...]" (ANDRADE; 1993. p. 66.)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O lugar onde melhor se fala Português do Brasil

Tempo desses, não lembro bem, pois abandonei esse "texto" no rascunho, composto apenas de título. Porém, recordo-me bem o que me motivou a escrevê-lo.

Numa aula sobre variações linguísticas, uma aluna fala que "o lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão, professor". Coincidentemente, eu falava sobre os mitos em relação ao português brasileiro, descritos em Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno. De imediato, falei que era um mito e que não possuía procedência científica, nem respaldo nos atuais estudos linguísticos.

Não imagino de onde tenha vindo a ideia de que o Maranhão possui o melhor falar do Brasil. Na maior parte das vezes, credita-se "o melhor falar" à região de maior prestígio econômico, mas não é o caso do Maranhão. De toda forma, podemos levantar algumas hipóteses:

1- O Maranhão já foi uma das mais prósperas economias do país.
2- O Maranhão já recebeu muita influência francesa, e o francês já foi a língua "da diplomacia" no século XX, tal como é o inglês nos dias atuais, lançando sobre o falar maranhense certo "status".
2- O Maranhão fica no Nordeste: nesse ponto em específico, a hipótese é que o NE, como primeira região do país, conservou o falar vindo de Portugal no período colonial, principalmente as cidades mais afastadas das capitais.
3- Já houve uma peça publicitária em homenagem ao Maranhão, que inclusive destaca essa questão do falar maranhense.


Anúncio do Guaraná Jesus.

Entretanto, não há, no Brasil e em qualquer outro país de língua lusófona, um falar que seja melhor que outro. Todos são diferentes entre si. Cada falar possui suas preferências em relação ao uso. E cada falar possui maior ou menor prestígio.

Uma pessoa ainda pode argumentar dizendo que o maranhense fala tudo de acordo com a gramática normativa. Bem, nesse caso ele emprega o pretérito mais-que-perfeito na vida cotidiana, não é mesmo? Ou a segunda pessoa do plural? Ou a mesóclise? Ou a expressão "marrapá", correspondente de "mas rapaz", não faz parte do uso maranhense?

Por fim,  reforço: não existem falares melhores que outros. Existem variedades que são mais ou menos prestigiadas, que são usadas nesse ou naquele contexto. E cada falar é único (inclusive o do Maranhão), com suas próprias características, atendendo às necessidades e à realidade de seus falantes.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Navegando pela internet, encontrei uma atividade sobre o mito 5° que mencionei, realizada no IF da Bahia. Nela, há também o anúncio publicitário supracitado. Bastante interessante: