"Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar"
Olhos azuis, verdes, castanhos, cor de mel, não importa qual seja a cor, com eles enxergamos o mundo ao nosso redor, mas não somente isso, nos conectamos com outros olhos: nossos familiares, amigos, a pessoa que nos serviu o café ou o almoço, as pessoas na rua. Um segundo e o nosso mundo e o do outro estão conectados.
Já imaginou quantos textos se voltam para tratar dos olhos e dos olhares? Ou quantos de alguma forma citam ou fazem referência a eles em algum trecho? A parte do corpo que para muitos tem um quê de sobrenatural. Ha quem diga que os olhos são o espelho da alma, a porta de entrada para o mundo do ser-outro e a conexão com o mundo do eu. Na literatura e na música encontramos diversas construções dos olhos e dos olhares, na maioria das vezes, do ser amado.
Aqui, nos ateremos à representação poética dos olhos e dos olhares. À visão poética acerca da visão humana. Ao olhar da literatura sobre o olhar humano, do ser que ao ser amado: doravante "Metáfora do Olhar".
Pontuemos 5 "metáforas". A começar por Patrícia Marx:
"Os seus olhos são espelhos d'água
Brilhando você pra qualquer um
Que não quis você de jeito algum
Hum, por onde esse amor andava"
O mundo parece mais belo quando visto pelo reflexo da água. A voz poética pede para fazer parte desse mundo, para estar lá onde a realidade se torna um lugar melhor de se enxergar:
"Hum, que vontade de merecer
Um cantinho do seu olhar
Mas tenho medo"
A Metáfora do Olhar é a luz que bate na água de um lago e volta para nos mostrar como o mundo pode ser mais interessante.
Castro Alves dirá que:
"Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;"
Em O Gondoleiro do Amor, o eu lírico é envolvido por um olhar profundo e negro, como o marinheiro que se vê cercado de mar por todos os lados, à deriva, sem sequer a luz da lua para guiá-lo. Mas, ainda assim, o eu poético navega na Metáfora do Olhar, guiado nesse mar até o ser amado, pelo Gondoleiro do Amor.
Por falar em olhos negros, Lenine sabe bem o que é isso:
"Queria ter coragem de saber
O que me prende?
O que me paralisa?
Serão dois olhos
Negros como os teus
Que me farão cruzar a divisa..."
Dois olhos negros que petrificam, hipnotizam, mas fazem o ser que ama querer ir em frente, adentrar as portas desses olhos negros.
Florbela Espanca, em Fanatismos, diz:
"Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!"
A Metáfora do Olhar está cega, cega para o mundo, pois o mundo do eu lírico é o ser amado, e somente a ele a visão é direcionada. Para que ver se já te vejo?
Por fim, os olhos mais encantadores de toda a literatura, os olhos de Capitu:
"Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me."
Bentinho tenta decifrar os olhos de Capitu, comparando-os ao mar, mas ao fazer isso, é tragado pela força do olhar dela, puxado para dentro pela violência dos olhos de ressaca. Desesperadamente descobre que Capitu tem olhos indecifráveis e toda vez que tentar fazê-lo se afogará. Então ele corre, corre para longe das ondas e tenta se segurar nas pedras. Seus olhos não são capazes de encarar os dela, pois, como bem percebeu, não há nada tão poderoso quanto o mar em ressaca.
Diante daquilo que vai muito além de uma metáfora, você, olhando pelos olhos de Bentinho os olhos de Capitu, se sente pequeno diante da onda que cresce e se aproxima para te arrastar para dentro do mar, do mar, do mar, mar, mar, mar...